ALES: As mulheres são as maiores vítimas dos assédios moral ou sexual no ambiente de trabalho no Brasil. Além do gênero, outros aspectos levam ao aumento da incidência dessa prática violenta: raça, idade e características corporais como obesidade, entre outros fatores que comumente geram preconceitos e fazem mais vítimas.
A informação, com base em pesquisas, foi um alerta da professora de Direito do Trabalho, mestre e doutora em Direitos e Garantias Constitucionais e Fundamentais, Jeane Martins, em palestra nesta sexta-feira (12), sobre assédio moral e assédio sexual no ambiente de trabalho. O evento foi realizado pela Procuradoria Especial da Mulher da Ales.
Na abertura da palestra, a procuradora especial da Mulher, deputada Iriny Lopes (PT), lembrou que os assédios moral e sexual estão entre as vertentes de violência contra mulheres que mais geram demandas ao órgão.
“São pedidos de informações, pedidos de ajuda, ou mesmo apenas procura para que as vítimas possam ser ouvidas e até chorar as dores que sofrem e falar sobre o medo de perderem o emprego, caso denunciem as atitudes criminosas dos seus superiores”, contou a parlamentar.
Para a deputada, a conversa promovida pela Procuradoria é um estímulo “para que a gente não deixe passar nada do que são os nossos direitos (...). Vivemos em um mundo atribulado em que você é humilhada, amedrontada, intimidada e exatamente pelas vulnerabilidades do mercado de trabalho. Precisamos falar sobre isso e enfrentar esses problemas (...) viver uma vida de dignidade é o que merecemos”, defendeu Iriny.
Assédio moral
A palestrante começou dizendo que fez uma escolha na sua vida profissional de defesa permanente das mulheres e isso a leva a atuar em muitos casos em que as vítimas de assédios moral ou sexual são do sexo feminino.
Para Jeane, o foco para enfrentar essas práticas violentas no ambiente de trabalho passa pela prevenção, pela responsabilidade e pela cultura do respeito. Segundo a especialista, a prevenção - sem deixar de lado os casos de punição quando o assédio ocorrer – é fundamental para que as pessoas compreendam o que é assédio moral. “Assim, uma pessoa esclarecida não se permite ser assediada e nem assediar o outro”, afirma Jeane.
Já a responsabilidade diz respeito à obrigação de as empresas promoverem um ambiente saudável de trabalho, livre do assédio. E a manutenção da cultura do respeito visa afastar o individualismo e as práticas ilícitas e nefastas nas empresas, sejam públicas ou privadas.
A palestrante também frisou que, de acordo com definição do Conselho Nacional de Justiça, o assédio moral é uma conduta abusiva e que, para ser assim considerada, não precisa ser praticada reiteradamente. Uma conduta de assédio cometida uma única vez já pode configurar o ilícito.
Lei 46
No entanto, a Lei Complementar 46/94, que institui o Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civis, veda a prática do assédio, mas o associa a condutas reiteradas e apenas de superiores hierárquicos contra seus chefiados.
Para Jeane Martins, o dispositivo na lei que rege o funcionalismo público é importante, mas precisaria ser aperfeiçoado. Segundo ela, o mecanismo deve garantir que não haja a necessidade de práticas reiteradas e também estabelecer possibilidade de outros tipos de assédio além do vertical descendente (do chefe para o chefiado).
Isso porque, como explicou a palestrante, há situações de assédio que podem ocorrer dos chefiados para o gestor (vertical ascendente) e também entre colegas (horizontal). Todas as três formas são reconhecidas pela doutrina na Justiça brasileira. E para a professora, “todas essas formas adoecem o ambiente de trabalho e violam um direito fundamental do trabalhador e trabalhadora, que é o de ter um ambiente saudável de trabalho”.
Intencionalidade
A palestrante também falou sobre a intenção da prática. Para ela, “pode ser considerado assédio mesmo que a conduta abusiva não tenha tido a intenção de causar o dano. Frases como ‘poxa, eu estava só brincando, é muito mimimi, eu não tive a intenção, eu não fiz de propósito’ não diminuem o fato de a prática ser considerada como assédio moral”, explicou a professora.
Para Jeane, no entanto, é preciso esclarecer que existe diferença entre atos de gestão e assédio moral. “É do escopo do gestor comandar sua equipe, estabelecer metas, cobrar resultados e até mesmo aplicar penalidades quando o caso exigir”, esclareceu a especialista. Para ela, o abuso desse poder, com determinação de tarefas impossíveis de serem cumpridas, prazos inexequíveis e cobranças públicas agressivas, por exemplo, já fogem do rol de atividades do gestor e resvalam para o assédio moral.
Assédio sexual
Em relação aos casos de assédio sexual, a palestrante lamentou que ainda não existam normas legais firmes e abrangentes o suficiente para enfrentar o problema. Por isso, na defesa das vítimas é preciso fazer uma construção, para uma fundamentação adequada aos processos contra o assédio.
Jeane afirmou que “todo comportamento de cunho sexual, que viola a liberdade sexual de outra pessoa, de forma verbal, não verbal ou física, pode ser caracterizado por assédio sexual. Se não há um “sim” consentindo as ações (sejam físicas ou não), entende-se que a resposta é “não”; portanto, há um caso de assédio sexual em curso (...) se é contra a sua vontade é assédio sexual.
A palestrante ainda explicou que havia uma lacuna na legislação porque assédio sexual, necessariamente, é o ato cometido por superiores a subordinados. Por isso, para abranger casos em que não há hierarquia alguma entre os envolvidos foi criada a tipificação do crime de importunação sexual.
Efeito devastador
Em qualquer um dos casos, o efeito é devastador, segundo a especialista: “O efeito dos assédios moral ou sexual para a vítima é o adoecimento. Saber que vai ser vítima no ambiente de trabalho traz dor, traz adoecimento, crises de ansiedade, depressão e até tentativa ou consumação do suicídio”, alertou Jeane.

A palestrante lembrou também das dificuldades nos processos para provar as condutas e sugeriu que as pessoas busquem anotar os fatos, as datas, os acontecimentos, busquem juntar provas e até mesmo tentar conversar com possíveis testemunhas que possam auxiliar nos processos. No poder público, o servidor assediador pode ser punido com demissão e o Estado ser responsabilizado por não ter provido um ambiente de trabalho saudável, livre de assédio.
Ao final da palestra, os ouvintes fizeram várias perguntas sobre prescrição dos ilícitos; tipo de condutas que se encaixam como assédios moral ou sexual; inclusão de assédio nas Comissões Internas de Prevenção de Acidente e de Assédio (Cipas); instrução dos processos; e importância da educação dos gestores em relação ao tema. Já a deputada Iriny Lopes garantiu que a Procuradoria deve continuar abordando o tema, tanto de forma educativa como com a possível proposição de normas de enfrentamento ao assédio.


Com informações Web Ales